Art. 10 - Cível - Direito ao Plano de Saúde sem Carência para Tratar a Covid-19 (estudo de caso dos autos nº 1029663-70.2020.8.26.0100 da 32 Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo).
Essa decisão judicial a favor do pedido em face dos planos de saúde,
ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, na 32ª Vara Cível do
Foro Central Cível da Comarca de São Paulo cujos autos são de nº 1029663-70.2020.8.26.0100 é um estudo de caso que mesmo sendo
uma ação civil pública, ajudará talvez milhares ou milhões de usuários de
planos de saúde que vem negados os seus direitos ao tratamento adequado do
plano de saúde em face da pandemia da COVID-19, sendo uma grande vitória para
os direitos dos consumidores e seus familiares e a classe geral do âmbito do
Direito, bem como fonte jurisprudencial em ações consumeristas-cíveis individuais e ações coletivas consumeristas-cíveis como essa em questão. Como esse estudo de caso dos autos nº 1029663-70.2020.8.26.0100 é autoexplicativo segue abaixo:
Decisão
Processo Digital nº: 1029663-70.2020.8.26.0100
Classe - Assunto Ação Civil Pública Cível - Tratamento médico-hospitalar (COVID-19)
Requerente: Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Requerido: Amil Assistência Médica Internacional LTDA
e outros
Juiz(a)
de Direito: Dr(a). FABIO DE SOUZA
PIMENTA
Vistos.
1. Trata-se de ação civil pública
ajuizada pela DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO contra as operadoras de plano de saúde AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A;
BRADESCO SAÚDE S/A; CENTRAL NACIONAL UNIMED COOPERATIVA CENTRAL; NOTRE DAME
INTERMÉDICA SAÚDE S.A; PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAÚDE LTDA E SUL AMÉRICA SEGUROS S/A pretendendo a
concessão da tutela de urgência consistente
na imediata liberação para seus segurados do tratamento médico
prescrito, independentemente do cumprimento do prazo de carência de 180 dias,
em se tratando de situação de urgência ou emergência.
Em síntese, alega que, diante da pandemia do coronavírus
(COVID-19) declarada pela Organização Mundial de Saúde, na data de 11 de março
e a a quarentena decretada pelo Governo
do Estado de São Paulo até 22 de abril de 2020, será elevado o número de ações
individuais propostas com o mesmo objeto da presente ação – negativa de
cobertura pelo plano de saúde por conta do período de carência contratual,
razão pela qual pretende, com a propositura da presente ação, buscar uma
solução para a questão de forma preventiva e
concentrada.
Defende que, ainda que o contrato de
seguro esteja no período de carência, os beneficiários dos planos requeridos
com a suspeita de contágio pelo vírus e os diagnosticados devem receber o
tratamento de saúde adequado, eis que se trata de situação de urgência, visto o
alto número de óbito de pessoas contaminadas por esse vírus.
A requerida Amil Assistência Médica
Internacional se manifestou (fls. 58/67), requerendo concessão de prazo e
contraditório em relação ao pedido de tutela de urgência, o que foi indeferido
por este juízo (fls. 69).
Houve manifestação do Ministério Público
pela concessão da tutela de urgência pleiteada (fls. 71/74).
É o breve relatório.
Fundamento e Decido.
Verifica-se a verossimilhança das
alegações da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo, eis que o risco de dano, por sua vez, é manifesto, tendo
em vista que o quadro clínico de eventuais beneficiários dos planos requeridos
que estejam contaminados, assim como os suspeitos de terem contraído o COVID-19
possui natureza grave, e a negativa da internação põe em risco a saúde dos
contratantes, bem como as suas vidas.
Mais que isso, é possível dizer que todo e qualquer caso de paciente portador do vírus em comento
(mesmo com mera suspeita) deve ser considerado como urgente e, por isso,
a salvo de prazos contratuais de carência, tendo em vista a presente
situação mundial (que também atinge o Brasil de forma dramática), na qual o
referido vírus se propaga de forma descontrolada e invisível, possibilitando
que cada paciente, confirmado ou com mera suspeita de ser seu portador, seja um agente de contágio em potencial, trazendo
riscos para todos ao redor, sem prejuízo das surpresas e ausência de total previsibilidade
de suas repercussões para a saúde do próprio paciente, eis que acompanha-se que
não só integrantes de grupos de risco têm sofrido sintomas graves ou mesmo
sendo levados à morte, sem distinção de idade, raça, religião ou grupo social.
Observe-se que a cobertura de atendimento
e tratamento deve ser disponibilizada não só aos portadores, mas também aos
suspeitos de portarem o vírus Covid-19 tendo em vista que, infelizmente, é
notória a ausência de disponibilidade de testes de diagnóstico dessa doença,
deixando de forma maciça que a sua aferição seja feita por meio da
interpretação analítica de de cada médico, conforme os sintomas apresentados
pelos pacientes em exame, não sendo possível condicionar a cobertura apenas em
favor dos pacientes que tenham a doença confirmada por meio de exame
especializado para tal.
Ou seja, em síntese, o momento presente é de total
excepcionalidade e permite, juridicamente, a interpretação de que é abusiva a
negativa de cobertura por plano de saúde a pacientes suspeitos ou efetivamente
portadores do vírus Covid-19 em razão de carência contratual, pois todos esses
casos, sem distinção, devem ser considerados urgentes, não só para tratamento
de cada paciente individualmente atendido, buscando-se evitar o agravamento
de seus quadros clínicos (eis que não há
certeza, mesmo para não integrantes de grupos chamados "de risco"),
mas também para que assim haja maior facilidade de contenção da propagação da
doença, possibilitando identificação e isolamento de eventuais contagiadores em
potencial, fazendo com que os contratos de plano de saúde cumpram não só a sua
finalidade em relação aos seus segurados, mas também a sua finalidade social de
ferramenta do sistema de saúde em geral.
Considerando-se, juridicamente, todos os
suspeitos ou portadores do vírus Covid-19, tem-se como consequência o
entendimento de que será abusiva toda e
qualquer negativa de cobertura pelos planos de saúde aos referidos pacientes,
nos termos dos artigos 12, V, "c" e artigo 35-C, II da Lei nº 9.656/98.
Aplica-se, assim, o entendimento ratificado pela Súmula 103
do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Súmula 103: É abusiva a negativa de cobertura em atendimento de urgência
e/ou emergência a pretexto de que está em curso período de carência que não
seja o prazo de 24 horas estabelecido na Lei n. 9.656/98.
Anota-se, ainda, jurisprudência do E. TJSP:
Apelação cível. Plano de
saúde. Ação de cobrança. Autora (operadora de plano de saúde) que pretende a
condenação de beneficiária nas despesas decorrentes de internação de dependente
do contrato durante período de carência. Sentença de improcedência.
Inconformismo da requerente. Paciente que apresentava quadro de taquidispneia,
broncoespasmo e insuficiência respiratória aguda, sendo transferido para
tratamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Situação de emergência. É abusiva a negativa de cobertura em
atendimento de urgência e/ou emergência a pretexto de que está em curso período
de carência que não seja o prazo de 24 horas estabelecido na Lei n. 9.656/98.
Inteligência dos artigos 12, V, "c" e artigo 35-C, II da Lei nº
9.656/98 e da Súmula nº 103 deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Irrelevância de o contrato de plano de saúde ter sido firmado em
favor de menos de 30 vidas, posto que os dispositivos legais que regem a
matéria não excetuam tais ajustes de obrigatoriedade de cobertura em casos como
o que se cuida. Limitação de internação de paciente em casos de urgência ou
emergência até as primeiras 12 horas de atendimento ambulatorial, com base na
Resolução CONSU nº 13/1998. Descabimento. Norma hierarquicamente inferior à Lei
n. 9.656/98, que não pode criar limitações por esta não disciplinadas. Código
de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990. Súmulas nº 100 deste Egrégio Tribunal de Justiça e nº 608 do
Colendo Superior Tribunal de Justiça. Fornecedor que deve assumir o risco do
negócio que está fornecendo. Caveat venditor. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação
Cível 1000084-64.2018.8.26.0127;
Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado;
Foro de Carapicuíba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/04/2019; Data de
Registro: 12/04/2019)(grifo nosso).
Deve ser observado, ainda, que não tem
força legal a afirmação da Federação Nacional de Saúde Complementar, por meio
de informativo, aos beneficiários de planos de saúde, que o paciente
diagnosticado com o Covid-19 só terá cobertura se cumprido o período de
carência, eis que além de versar de mero parecer de entidade de classe, que
defende os interesses de seus integrantes, acaba por afrontar sobremaneira
princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso pela
inequívoca natureza de relação de consumo que dota os contratos de plano de
saúde que têm como destinatários finais segurados de serviços prestados de
forma profissional por seguradoras.
Por fim, inequívoco o perigo de dano
irreparável que a negativa das operadoras ao atendimento de seus segurados
implicará no caso em questão, não só pelos riscos que se escondem quanto ao
desenvolvimento da doença de cada um dos seus pacientes, com risco efetivo de
resultado morte, como também de que a falta de atendimento certamente facilita
o contágio continuado da respectiva doença, com efetivos danos para a saúde
pública e para a economia do país.
Ante o exposto e presentes os requisitos
legais, DEFIRO a tutela de urgência
para determinar às requeridas a liberação imediata de cobertura para o
atendimento e tratamento prescrito por médico, em favor de todos os seus
segurados que sejam suspeitos ou efetivos portadores do vírus Covid-19,
independentemente do cumprimento do prazo de carência de 180 dias,
considerando-se juridicamente todos esses casos como de urgência.
O descumprimento desta tutela implicará
em pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada paciente que
vier a ter cobertura recusada, a ser executada individualmente pelos
respectivos segurados por meio de ações próprias, sem prevenção deste juízo.
SERVIRÁ A PRESENTE COMO OFÍCIO, A SER IMPRESSA E ENTREGUE
PELA PARTE INTERESSADA.
1. Cite-se e intime-se a parte Ré para contestar o feito no prazo de 15 (quinze) dias
úteis.
2.
A ausência de contestação
implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na
petição inicial. A presente citação é acompanhada de senha para acesso ao
processo digital, que contém a íntegra da petição inicial e dos documentos.
Tratando-se de processo eletrônico, em prestígio às regras fundamentais dos
artigos 4º e 6º do CPC fica vedado o exercício da faculdade prevista no artigo
340 do CPC.
Intime-se.
São Paulo, 16
de abril de 2020.